Realizado apenas quatro dias depois da revogação da Lei de Imprensa, o II Fórum Liberdade de Imprensa & Democracia, que a Revista Imprensa promoveu ontem em São Paulo, deixou expor a ferida aberta de milhares de jornalistas afetados não somente pelas mudanças causadas pela quebra de paradigma das tecnologias que têm facilitado a colaboração midiática em todo o mundo. Polêmica, a decisão do STF de revogar a Lei de Imprensa em sua totalidade mostrou as opiniões díspares entre próprios pares, mas não somente entre jornalistas e sim, juízes e advogados, revelando o quão difícil é mesmo a questão e tem sido conseguir a adesão da classe para uma definição quanto ao seu futuro político e social no contexto profissional junto à sociedade.
Claro! A questão toda passa por meandros filosóficos e ideológicos em que, dependendo do interesse, os discursos retóricos inflamam-se para um lado ou outro da moeda. Um deles envolve a ganância de patrões endividados, querendo resolver como evitar que cada variação da moeda estrangeira seja um problema para pagar salários e manter suas contas, ou deputados donos de concessões de rádios e tevês, que não querem ver seus escândalos estampados em suas próprias retransmissoras, portanto, sem querer ter em seus quadros de funcionários jornalistas pensantes e questionadores. Do outro, há a tentativa frustrada de quem também tenta uma solução para regular o mercado para que os colegas tenham um lugar ao sol, desempenhando seu papel de mediador da sociedade ao apurar os vários lados dos fatos e garantir o mínimo de transparência em ações de governantes ou empresas, de instituições e pessoas, prestando um serviço aos leitores. Isso só para apontar talvez um dos vários pontos envolvidos na questão, que tem outros, muitos outros.
Dicotomia patente
O que importa é que isso ficou patente para quem participou durante todo o evento ontem. Pela manhã, por exemplo, Dr. Martim Fonseca, representando a OAB/SP, abriu sua fala comparando a profissão do advogado ao jornalista “pela necessidade de exercê-la havendo um Estado de Direito” e disse que apesar de os advogados terem cuidado de suas leis, deixaram lacunas e problemas, como os que causaram o desfecho do STF. Para ele “o novo código civil brasileiro não responde aos clamores do exercício do jornalismo e suas especificidades em relação ao exercício de sua profissão. Por isso mesmo, a OAB não podia concordar com o havia sido feito na sexta-feira”. Mas, algumas horas depois, lá pelas 15h, seu colega carioca, Dr. Gustavo Binemboim teceu os mais altos elogios ao STF, por justamente extinguir um dos últimos “entulhos da ditadura”.
Alguém discorda de algum deles? Na verdade, nenhum dos dois está errado; cada qual teve um ponto a defender. A questão é que dentro da Lei de Imprensa, pela qual a categoria jornalística lutou por tantos anos, e instaurada no meio de um dos piores momentos da nossa história, havia vários dispositivos que garantiam direitos hoje transformados em pó. Novas leis e regulamentações serão necessárias e, no Brasil que conhecemos, levar-se-ão sabe-se lá quantos anos a mais para acontecer. Ou, ainda, antes disso, como questionou o representante da Abert – Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão, Evandro Magalhães, “e sobre o que está já regulamentado e o Estado não faz nada para fazer prevalecer?”, referindo-se não somente ao atraso tecnológico das rádios em relação à potência, mas à imensa quantidade de rádios pirata sem licença para operar, e à deturpação das empresas privadas de TV utilizarem uma frequência específica de canais...
Queremos crer, como disse o diretor da Revista e do Portal Imprensa, Sinval Itacarambi de Leão, ao defender a liberdade de imprensa, que a realidade democrática brasileira seja mesmo “polifônica” para buscar a melhor imprensa, agora também representada pelos blogueiros.
Sustentabilidade
Seja como for, para o editor de conteúdo do Estado de S. Paulo, Ricardo Gandour, expressamente contra a Lei de Imprensa, a questão da sua liberdade deve passar pela ótica da sustentabilidade. “O empreendimento jornalístico deve buscar a sustentabilidade à medida que a crença deste todo coincida com a crença da maioria das partes que se interagem”. Como nunca na história da humanidade estes envolvidos todos estiveram diante de uma “desintermediação” de informações como a que a internet tem proporcionado, da possibilidade instantânea e infinita de acesso e postagem de mensagens na internet, Gandour defende que a liberdade de imprensa seja cuidada em torno de uma imprensa como instituição e livre. E, parafraseando o escritor Gay Talese, complementou: “Uma Redação ainda é o menor número de mentirosos por metro quadrado do mundo e a melhor empreitada pela busca da verdade de que se tem notícia.”
Jean Paul Sartre
O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, Guto Camargo, representando a FENAJ, tentou, mas quem realmente alinhavou a melhor expressão da liberdade de imprensa foi o professor Eugênio Bucci, professor da ECA/USP, convidado para a Conferência de encerramento do evento.
Explicou que os jornalistas precisam ter independência social para produzirem conteúdo com garantias para investigar eficazmente os assuntos, baseados no conhecimento das técnicas e no deontologismo que aprenderam nos cursos de jornalismo. Disse ainda que os colegas de profissão devem desenvolver seus trabalhos com credibilidade e liberdade, mas que esta liberdade de imprensa vai além de qualquer dispositivo legal – que ela deve ser encarada como valor de vida – e citou Jean Paul Sartre ao mencionar que o ser humano está “condenado a existir para sempre além dos seus casos”, ou seja, “que não somos livres para deixarmos de ser livres”.
Disse Bucci. “O jornalista precisa ser livre para ser o que é e garantir a liberdade da imprensa que, por sua vez, será a garantia da democracia de um povo, do cidadão, de uma sociedade inteira”. E fechou: “O dever da liberdade vem antes do dever da verdade”. Ou seja, só se encontra a verdade quando se pratica a liberdade interior (é quando os fatos se revelam por si!). Precisa de mais?
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